ela não tem coração




quando o fotógrafo francês andré adolphe eugène disdéri, no século XIX, resolveu fazer retratos um pouco menores do que os de costume, muita gente se sentiu melhor consigo mesma. os cartes de visite, como foram chamados, podiam ser feitos em quantidade numa mesma chapa e a um custo mais baixo. isso possibilitou sua aquisição por pessoas que antes não poderiam se dar ao luxo de possuir sua própria imagem ou a de seus entes queridos. houve então, por causa dos retratinhos de andré, uma repentina e generalizada sensação de ascensão social.

tendo em média 9x5 cm, o formato patenteado por disdéri cabia num envelope postal e era trocado entre amigos e familiares, servindo também para atribuir aos retratados virtudes morais, intelectuais e sociais.

cartes de visite feitos com crianças são o ponto de partida dos fotogramas que ilustram esta edição. nesta série, intitulada “ela não tem coração”, foram realizadas interferências que modificam ou evidenciam certos aspectos psicológicos, criando uma aura ficcional que coloca em dúvida a índole dos retratados, então transformados em personagens.

o leitor descobrirá que, de maneira semelhante, os textos deste número também têm um caráter dúbio e uma moralidade controversa. porém esta edição se reserva o direito de manter, em alguns pontos, uma dose de humor e charme que, possivelmente, irão persuadi-lo a tornar-se cúmplice das pequenas vinganças e maldades aqui sutilmente sugeridas.

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